17 Fevereiro 2022
O caminho sinodal alemão aprovou textos fundamentais e recomendações. O que resta cabe aos bispos - e ao Vaticano - decidir. Um relatório do que foi feito até agora.
A reportagem é de Michael Schrom, publicada por Publik-Forum e reproduzida por Fine Settimana, 09-02-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma coisa deve ser reconhecida aos católicos alemães: o Caminho Sinodal é realizado por um tempo surpreendentemente longo na forma de um processo de diálogo que, do ponto de vista romano, realmente não deveria existir. E como seus resultados e decisões dependem de tantos fatores imprevisíveis para talvez poder desdobrar sua eficácia, também o fascínio que desperta é surpreendente. Quase todos os delegados também vieram a Frankfurt para a terceira assembleia geral. Aqueles que querem reformas, embora repitam pela enésima vez que sua paciência acabou. E aqueles que se opõem a elas insistentemente embora considerem esse empenho como uma terapia ocupacional do catolicismo de profissão e sabem muito bem que com o clique certo na hora certa podem trancar os documentos. Seja como for: discute-se abertamente para defender o melhor argumento.
Até agora, porém, o interesse na base, ou seja, na paróquia, não tem sido particularmente animado.
Muitos não sabem nem o que é o Caminho Sinodal nem manifestaram um maior interesse pela teologia ou pela política eclesiástica. Nem mesmo os jornais da Igreja sabem muito bem que espaço dar às discussões. A situação poderia mudar, porém, depois que os argumentos, as demandas e as posições estiverem claramente postas sobre a mesa: o acesso das mulheres a todos os ministérios sacramentais, uma avaliação diferente da homossexualidade e da moral sexual católica, bênçãos da Igreja para casais que se amam, independentemente do sexo dos parceiros; reforma do direito de trabalho da Igreja; abolição da obrigação do celibato como requisito para a ordenação presbiteral; envolvimento dos fiéis na nomeação do bispo.
Em Frankfurt durante três dias discutiu-se apaixonadamente, argumentando ou alertando sobre as consequências, expressando elogios ou críticas. 200 emendas por documento tiveram que ser introduzidas desde o início. Os pedidos de intervenção foram tantos que, apesar da limitação de tempo de fala a apenas um minuto, não foi possível respeitar o programa e as sessões prolongaram-se até altas horas da noite. A desejada inculturação da democracia na esfera católica funcionou surpreendentemente bem. Como válvula de escape e como espaço para sonhar na Igreja, o Caminho Sinodal certamente funciona.
Alguns bispos aproveitaram a oportunidade para expressar uma palavra franca. Por exemplo, o administrador apostólico da arquidiocese de Colônia, o bispo auxiliar Rolf Steinhäuser, disse a respeito de suas experiências e o retorno de Woelki: "Não precisamos de um absolutismo não iluminado nem de um iluminado". Felix Glenn de Münster definiu aquelas passagens do catecismo da Igreja Católica que se referem à homossexualidade e que repetidamente giram em torno do ato genital como “simplesmente embaraçosas”. Karl-Heinz Wiesemann de Speyer admitiu que o Magistério se tornou "autorreferencial". Reinhard Marx, de Munique, disse em tom espirituoso que o catecismo, afinal, não é o Alcorão e, portanto, não é um sacrilégio mudá-lo. A renúncia ao lirismo untuoso que costuma caracterizar os discursos episcopais também mostra uma nova confiança dos bispos em si mesmos - embora muitos bispos veteranos admitam livremente que, se tivessem pensado e falado assim há 20 anos, nunca teriam se tornado bispos.
No entanto: "Não são os discursos, mas os atos que adornam o homem" (Adolph Kolping). Até mesmo o texto teológico básico mostrou com que rapidez um documento fundamental pode naufragar por causa dos bispos. Já em segunda leitura, além da maioria de dois terços de todos os membros do sínodo, é exigida uma maioria de dois terços de todos os bispos presentes. E isso foi alcançado apenas por uma margem muito estreita: 41 votos a favor e 16 contra, ou seja, uma taxa de aprovação de apenas 71,5%. Se o cardeal Woelki e seu bispo auxiliar Dominikus Schwaderlapp ainda não estivessem em seu "ano sabático", se todos os bispos auxiliares de Regensburg tivessem exercido seu direito de voto - o lançamento teológico da pedra fundamental de uma nova Igreja teria se tornado o lançamento de uma lápide, e todos já poderiam ter voltado para casa na quinta-feira.
Do que se tratava? Tratava-se da questão de como os sinais dos tempos deveriam ser tomados em consideração como fonte de conhecimento teológico. E não é um sofisma em um texto de teólogos para teólogos. Em vez disso, é algo que vai ao cerne da questão e que os oponentes do projeto reconheceram imediatamente. Isso porque o desejo das teólogas e dos teólogos que são a favor de reformas de valorizar os "sinais dos tempos" como fonte de conhecimento teológico leva logicamente a relativizar as outras fontes, em primeiro lugar a tradição e o magistério, e se necessário também afirmações bíblicas em seu significado para a doutrina católica.
Se, por exemplo, a igualdade de gênero tem um autêntico significado teológico como sinal dos tempos e é, portanto, uma indicação de que Deus quer dizer algo à Igreja, então a simples referência à tradição, às decisões do magistério e às imagens bíblicas da noiva e do esposo já não é mais suficiente para chegar a uma resposta adequada. E se a violência sexual é um desses sinais dos tempos, então não basta simplesmente estabelecer controles mais severos no quadro do sistema existente e da doutrina existente. "Problemas sistêmicos exigem respostas sistêmicas", disse Thomas Söding, de Bochum, estudioso do Novo Testamento e vice-presidente do ZdK (Comitê Central de Leigos Católicos alemães).
Mas os bispos não querem compartilhar seu magistério. Nem com a teologia acadêmica, nem com as mulheres, nem com as vítimas de abusos sexuais. Isso foi mostrado de forma exemplar pela disputa sobre a frase que pode ser atribuída ao bispo Overbeck, do magistério especial das vítimas. Na segunda assembleia geral do caminho sinodal, no segundo semestre do ano passado, o bispo Rudolf Voderholzer de Regensburg, depois do relatório do conselho consultivo das vítimas, protestou contra um suposto "magistério infalível" das pessoas atingidas por abusos, com a ajuda do qual se queriam implementar determinados pedidos de política eclesial. Overbeck rebateu essa polêmica lembrando o quanto Jesus levasse em consideração as pessoas sofredoras. Nesse sentido, podia-se falar do magistério das vítimas. Muitos sinodais gostaram tanto dessa formulação que foi incluída na proposta. Mas teve que ser substituído por uma formulação semelhante no conteúdo, mas menos forte linguisticamente - também porque muitos sinodais a favor das reformas temiam que, de outra forma, todo o texto poderia ser rejeitado.
Mas quão importante é a discussão sobre a formulação se nenhum progresso for feito em substância?
Johannes Norpoth, do Conselho Consultivo das Vítimas da Conferência Episcopal alemã, não mediu palavras: “Caros Bispos: há semanas e meses vocês pregaram sobre sinodalidade, sobre responsabilidade compartilhada para a superação desta crise, sobre abertura e transparência. Mas depois decidem de forma diferente. Sobre um dos âmbitos temáticos centrais de reflexão sobre a violência sexual, vocês nos colocam no banco”.
Deprimentes, mas também esclarecedores, foram os numerosos relatos sobre os enormes danos psicológicos causados a católicas e católicos por um magistério invasivo e agressivo. A beneditina Philippa Rath relatou sobre religiosas que lhe perguntaram se era possível deixar a Igreja e ainda permanecer na ordem. O nível de medo que reina na Igreja é vergonhoso, disse ela. “Há quase dois anos, na catedral de Frankfurt, eu disse: 'Sofro pela minha Igreja, mas a amo'. Devo confessar que hoje não tenho mais certeza de que ainda posso amar minha Igreja”. E ela acrescentou que o muro do medo está desmoronando apenas gradualmente e que ela é grata à iniciativa #outinhurch por isso.
Representantes de associações de mulheres católicas relataram algo semelhante: especialmente as participantes mais idosas estavam profundamente amarguradas porque haviam levado a sério ao longo de suas vidas o ensinamento católico sobre a moral sexual e agora estavam vendo como os bispos toleraram descaradamente os abusos sexuais do clero. Afirmaram que o exagero e a idealização desmedida do casamento e do celibato devem acabar e que é necessário apresentar desculpas às mulheres.
Várias mulheres e vários teólogos em suas intervenções pediram uma delimitação clara. A fixação neurótica e o olhar legalista sobre a sexualidade devem parar. "Minha esposa se casou comigo há 35 anos não para encontrar um parceiro sexual legítimo, mas para nos unirmos por toda a vida", disse o teólogo Andreas Lob-Hüdenpohl. Eberhard Tiefensee, professor emérito de teologia de Erfurt e padre, acrescentou: “Em nenhum outro âmbito o ensinamento da Igreja entra tanto em detalhes como no quarto. Precisamos colocar um limite”. E também relativizou o celibato: seu valor simbólico, em sua opinião, é muito limitado hoje, à luz da dupla moral clandestina e da cultura predominante das pessoas que vivem sozinhas.
Embora a votação sobre a revisão da moral sexual e da doutrina sobre o casamento, bem como sobre a avaliação positiva da homossexualidade tenha tido uma clara maioria em primeira leitura, muitos membros do sínodo temiam que o texto pudesse ser rejeitado em segunda leitura devido à posição dos bispos de minoria. E eles não estavam errados. O que chamou a atenção foi a impressionante frequência de intervenções nas quais a encíclica Humanae Vitae, a doutrina católica do matrimônio e a subjacente "teologia do corpo" de João Paulo II eram consideradas extremamente válidas. E que os ensinamentos da Igreja não deveriam ser alterados e procurar a ruptura. Essas declarações aumentaram o nervosismo na sala. Contudo, não foi admitida naquela reunião uma questão de ordem para ver quais eram as proporções da maioria dos bispos. O presidente da Conferência Episcopal alemã assegurou que tentará influenciar os seus coirmãos no âmbito das suas possibilidades, acreditando que eles estão bem cientes da natureza explosiva da questão. O bispo Overbeck declarou: "Neste âmbito perdemos credibilidade junto a 99% das pessoas". A única possibilidade de reconquistá-la está no desenvolvimento de uma ética das relações livre da teologia.
Um clamor de indignação foi provocado por uma declaração da filósofa vencedora do Prêmio Ratzinger, Barbara Gerl-Falkovitz. No texto sobre a homossexualidade argumenta-se que todos os seres humanos foram criados por Deus, mas em sua opinião "isso não tem valor argumentativo". É questionável a afirmação de que os homossexuais "nasceram assim". O imprinting e as preferências sexuais podem mudar, "caso contrário, poderíamos dizer que até os pedófilos foram criados por Deus".
Que a homossexualidade e a pedofilia fossem mencionadas na mesma frase indignou o plenário. "Aqui se chegou a um limite", ressaltou Birgit Mock, que dirige o fórum sobre a sexualidade junto com o bispo Dieser. A questão fundamental de saber se e em que medida as preferências sexuais sejam condicionadas ou modificáveis em nível sociocultural não foi discutida ulteriormente. Michael Berentzen exortou o público a parar de lutar contra os conhecimentos científicos - "sempre perdemos tais batalhas".
A Assembleia sinodal terá um "impacto notável" sobre os católicos na Alemanha, prometeu o bispo Bätzing na ordem do dia. Presumivelmente, isso deveria se referir principalmente ao direito de trabalho da Igreja. A orientação sexual, a união entre pessoas do mesmo sexo ou o casamento de pessoas divorciadas poderiam não estar mais em primeiro plano. Outro documento sobre a introdução da justiça penal e administrativa já está presente em Roma. Quanto às nomeações episcopais, os leigos devem ser envolvidos por meio de um chamado autoempenho voluntário dos órgãos decisórios. "A Igreja Católica tem condições de fazer sínodos", disse Thomas Söding no final. Mas a parte romana da Igreja universal também tem condições de fazer sínodos? Irme Stetter-Karp disse que não quer mais "irmãos no nevoeiro, mas uma Igreja clara e iluminada". Que seu desejo chegue aos ouvidos de Deus.
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Caminho sinodal alemão. Com a força do desespero - Instituto Humanitas Unisinos - IHU